MARCOS CÂNDIDO MENDONÇA
Mataram o “Senhor” da fazenda do Castelo
HISTÓRIAS DO ALEGRE E REGIÃO

Na divisa entre os municípios de Guaçuí e São José do Calçado, ainda se encontra de pé o casarão da centenária fazenda do Castelo. Casarão que foi morada da família Aguiar Vallim, que sendo originada da freguesia de Bananal, localizada na província de São Paulo, migrou para a freguesia de S. Miguel do Veado (atual Guaçuí) em meados do século XIX, e foi uma das famílias mais abastadas da região sul da província do Espírito Santo.
Das diversas histórias sobre o lugar, uma é certamente trágica e reflete as mudanças vividas no mundo do trabalho após a escravidão. Refiro-me ao assassinato, em 21 de janeiro de 1918, do Sr. Francisco Ourique de Aguiar Machado (filho de Américo Bento Machado e Maria Gertrudes de Aguiar), que era então, com apenas 24 anos, chefe da fazenda do Castelo. Francisco morreu de “morte matada” – como diz o dito popular – por Carlos Menditi, imigrante italiano, que vivia na dita fazenda na condição de colono.
Essa história, como qualquer outra história de assassinato, possui pelo menos duas versões do crime, que resgatamos das páginas de antigos jornais.
A primeira delas, conta que o imigrante Carlos Menditi procurou no escritório da fazenda do Castelo o seu patrão para lhe vender o café que era possuidor. O Sr. Francisco ofereceu-lhe 3$700 (três mil e setecentos réis) por arroba. Valor recusado por Menditi. A exigência de Menditi era 5$000 (cinco mil réis) por arroba. Ao insistir, Francisco propôs-lhe a Carlos que retirasse o café da fazenda para vendê-lo onde desejasse. O que foi também recusado pelo colono. Diante disso, Menditi foi convidado a se retirar do escritório. Saiu tranquilo! Porém, quando Francisco foi fechar o portão da varanda do casarão por onde passou Menditi, foi alvejado por um tiro de garrucha, vindo a falecer poucos dias depois.
A outra versão da história, que apresenta outros fatos, conta que Carlos Menditi, tentando conseguir o melhor preço pelo café, teve como resposta várias moedas lançadas em seu rosto. Humilhado pelo senhor, matou-o com um tiro de garrucha. O desfecho do crime foi a prisão e condenação do acusado!
Sobre o episódio, vale salientar a atmosfera social vivida no campo. Eram os anos subsequentes ao fim do trabalho compulsório, com a introdução dos imigrantes como mão de obra para substituir os escravos nas fazendas. Sob novas relações de trabalho, o conflito se renovava, agora não pela polaridade “senhor” x “escravo”, mas sim “patrão” x “empregado”. Muitos fazendeiros, ainda apegados aos velhos tempos, não se continham nas práticas de exploração dos colonos imigrantes. Os imigrantes que, por sua vez, desejavam tornar-se proprietários, quase nunca aceitavam trabalhar lado a lado com os negros – pois traços do preconceito racial faziam parte dos mecanismos de distinção social. Esse era o barril de pólvora vivido no campo nos anos pós escravidão. O senhor tornou-se patrão e o escravo tornara-se empregado. No entanto, o conflito entre classes sociais permanecia no mundo em transformação!
Marcos Cândido Mendonça é doutor e mestre em Geografia pela Ufes. É autor do livro “O vale do Itabapoana: perspectiva e trajetórias familiares da história do sul capixaba (1820-1960)”. Dedica-se ao estudo da produção do espaço e geografia histórica. (Adquira o livro pela página @arquivoguacui no Instagram).
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