MARCOS CÂNDIDO MENDONÇA
Quanto valia a vida de Gonzaga?
O preço de um escravizado em N. S. da Conceição do Alegre

A região sul capixaba foi a região mais aferrada a escravidão. O sul capixaba, em 1872, reunia 11.722 homens e mulheres escravizados, ou seja, concentrava 51,97% de toda população escrava da província do Espírito Santo que era de 22.552 almas. Nesse ano, a paróquia de N. S. da Penha do Alegre (que até 1869 se chamou N. S. da Conceição do Alegre) possuía 1.110 escravos e 1.679 pessoas livres, correspondendo a população escrava por 39,79% do total de sua população, estimativa que só não era superior do que das freguesias de Cachoeiro do Itapemirim, São Pedro do Itabapoana (Mimoso do Sul) e São Miguel do Veado (Guaçuí).
Durante a vigência da escravidão, a pessoa escravizada era uma mercadoria e como tal poderia ser comprada e vendida ao gosto do mercado, inclusive, o governo imperial cobrava imposto sobre essa propriedade. O escravo era uma mercadoria “valorizada” no mercado, não atoa, sempre que um senhor falecia, eram os escravos detalhadamente discriminados nos inventários para serem transferidos aos herdeiros.
Sobre o preço do escravo influenciava seu sexo, idade, ofício e estado de saúde. Assim, um escravo jovem e sadio, valia muito mais do que um escravo velho ou doente. Mas afinal, quanto valia um escravo no antigo Alegre? E ainda, quanto valeria hoje um escravo tomando como parâmetro os preços no mercado?
Essa é uma pergunta cuja resposta é complexa. Respondê-la exige alguns cuidados, pois no passado a moeda era outra (no caso, os réis), a inflação também outra, e o preço do escravo oscilou muito durante as épocas, influenciado por diversos fatores, como, por exemplo, pela proibição do tráfico negreiro em 1850. Além disso, acrescentamos, que o preço do escravo não funcionava de acordo com as regras normais do mercado, ou seja, baseado num custo de produção mais lucro médio regulado pela concorrência. Influenciava sobre a determinação de seu preço, o domínio monopólico sob essa propriedade, em que a expectativa de ganho futuro com a exploração do trabalho cativo, tomava a expressão de rendas futuras, o que tendia a impulsionar o preço do escravo no mercado.
Assim, sem perder de vista a complexidade que nossa resposta demanda, para simplificarmos o raciocínio vamos nos ater apenas a análise comparativa dos preços no mercado de hoje com os preços no passado (dos preços dos escravos com os preços de outras mercadorias no passado e no presente), para termos uma ideia estimada da realidade dos preços em relação ao poder de compra no mercado.
Nesse sentido, tomemos o caso de Gonzaga, um jovem escravo que viveu em N. S. da Conceição do Alegre, em meados do século XIX. Gonzaga era escravo de José Eugênio Ferreira de Paiva. Este era senhor da fazenda Fortaleza, situada no lugar denominado Córrego das Neves. Gonzaga, de acordo com as informações do inventário de seu senhor, cujo o processo foi aberto no ano de 1866, quando Gonzaga tinha 23 anos, teve seu preço avaliado em Rs 1:800$000 (1 conto e oitocentos mil réis). Além de Gonzaga, no inventário foram elencados mais quatro escravos, a saber: Gervázio (25 anos, 1:800$000), Sirino (25 anos, 1:500$000), Clara (30 anos, 1:600$000), e Polidora (25 anos, com filhos, 2:000$000).
Com essa quantia (Rs 1:800$000) era possível se comprar, segundo dados do mesmo inventário, aproximadamente 10 animais de sela* (sendo cada animal de sela avaliado em média por Rs 175$000). Para efeito de comparação entre as épocas, e tomando como parâmetro os preços do mercado local hoje, no qual consideramos como preço de um animal de sela a quantia aproximada de R$ 3.000 (três mil reais), salvo variação do preço por raça e idade do animal, veremos que o preço do escravo Gonzaga, se permitia no passado comprar 10 animais de sela, alcançaria hoje a quantia aproximada de R$ 30.000 (trinta mil reais).
Essa comparação, embora apenas didática e carecendo de maiores estudos (com de maior amostragem de documentos), serve para ilustrar como o escravo era uma mercadoria altamente precificada no mercado. Não atoa o escravo funcionou para os bancos como instrumento de hipoteca. Embora outros grupos sociais, como pequenos e médios proprietários rurais, profissionais liberais e comerciantes, com frequência também possuíssem escravos, o escravo era uma propriedade concentrada nas mãos dos senhores mais abastados, principalmente dos grandes fazendeiros, que eram aqueles que podiam pagar os altos preços para acessar essa mercadoria.
* O inventário não especificou qual era a raça do animal de sela. Assim, para comparação com os preços atuais, consideramos o cavalo.
Marcos Cândido Mendonça é doutor e mestre em Geografia pela Ufes. É autor do livro “O vale do Itabapoana: perspectiva e trajetórias familiares da história do sul capixaba (1820-1960)”. Adquira o livro pela página do @arquivoguacui no Instagram.
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